Decisão
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ 1ª VICE-PRESIDÊNCIA Autos nº. 0003566-04.2025.8.16.0084 Recurso: 0003566-04.2025.8.16.0084 Pet Classe Processual: Petição Criminal Assunto Principal: Promoção, constituição, financiamento ou integração de Organização Criminosa Requerente(s): Marlon Ricardo de Paula Requerido(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ I – Marlon Ricardo de Paula interpôs recurso especial, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, contra o acórdão proferido pela 5ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça. Alegou violação aos artigos: a) 386, VII, do Código de Processo Penal (CPP), por entender que a condenação foi mantida mesmo diante da ausência de provas suficientes da autoria delitiva. Argumentou que a decisão se baseou exclusivamente em relatórios de inteligência, cadastros da facção criminosa e conversas extraídas de celulares de terceiros, sem qualquer prova judicializada, direta ou contemporânea da atuação do recorrente. Defendeu que a absolvição seria a medida adequada, conforme o dispositivo legal, diante da inexistência de provas concretas da adesão atual, voluntária e consciente à organização criminosa; b) 68 do Código Penal, 2º, §2º e §4º, V, da Lei nº 12.850/2013, expondo que a causa de aumento de pena pelo uso de arma de fogo foi aplicada sem qualquer prova concreta de que o recorrente ou outro integrante da organização criminosa tenha efetivamente utilizado armamento, o que configuraria violação direta ao dispositivo legal e que a majoração da pena pela transnacionalidade da organização criminosa foi mantida sem qualquer prova de que o grupo tivesse conexões com organizações estrangeiras ou atuação internacional, sendo insuficiente a mera menção genérica a investigações sobre tráfico internacional. Pleiteou o pagamento de honorários ao advogado dativo. (fls. 1/8, mov. 1.1) O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ apresentou contrarrazões (mov. 11.1), manifestando-se pelo não conhecimento do recurso. II – Observa-se da decisão recorrida a conclusão de que a autoria e materialidade delitivas foram comprovadas por relatórios técnicos, apreensão de celulares, depoimentos de testemunhas sigilosas e policiais, e pela identificação do recorrente no “cara crachá” da organização criminosa. A função de “apoio da disciplina” atribuída ao recorrente foi considerada relevante, e sua alegação de desligamento anterior à data dos fatos não foi comprovada. No acórdão destacou-se a validade dos depoimentos e da prova técnica e que o crime de organização criminosa não exige a prática efetiva dos crimes planejados, bastando a demonstração do propósito delituoso e da associação estável e permanente. Sobre a temática recursal, extrai-se do julgamento recorrido: “(...) Consta dos autos que, do cumprimento de mandado de busca e apreensão no estabelecimento comercial dos denunciados Elton Pedro da Rosa, vulgo “Gadiador” e Vanessa de Jesus de Araújo, vulgo “Vanessinha” (autos n° 0002603-98.2022.8.16.0084), houve apreensão de seus respectivos celulares, que foram posteriormente analisados pela inteligência (relatório técnico nº 026/2022 – mov. 1.2 e relatório técnico nº 028/2022 – mov. 1.23). Com relação ao apelante Marlon Ricardo de Paula, foi identificado seu “cara crachá” em grupo de whatsapp afeto a organização criminosa, com indicação de que exercia a função de “apoio da disciplina” dentro do grupo criminoso (mov. 1.34). Segundo consta, Marlon, com 35 (trinta e cinco) anos à época, possuía o vulgo de “Mikael” e atuava na cidade de Loanda/PR, ocupando cargo de especial relevância dentro da organização criminosa. Além disso, conforme exposto pela própria testemunha Sigilosa “A” (movs. 888.17 a 888.19), do comparativo com os dados expostos nas mensagens e aqueles disponíveis nos sistemas de investigação convergiu em um nome uno, de modo que, nos casos de possível dúvida acerca da identidade do faccionado /companheiro, o alvo sequer era inserido em relatório. À partida, cumpre destacar que os depoimentos de testemunhas policiais, se fidedignos, também servem à comprovação dos fatos, pois a condição profissional do agente público (policial militar), por si só, não é elemento apto para retirar a validade de seu depoimento (...) Neste viés, quando interrogado, o réu confirmou que integrava a referida organização criminosa, contudo, indicou que à época descrita na denúncia (10/06/2022 a 04/08/2022) já havia solicitado sua exclusão do grupo criminoso e não mais o integrava. Ademais, informou que nesse período, apenas adquiriu uma rifa do “setor do bicho” de um rapaz que sabia ser faccionado do PCC. Segundo Marlon, para adquirir a referida rifa precisou infirmar seus dados pessoas a quem havia lhe vendido. Neste contexto, cumpre destacar que amplamente conhecido e difundido em todo território nacional, o Primeiro Comando da Capital – PCC se caracteriza como uma facção estruturalmente ordenada dispondo de estatuto próprio e regramentos internos – estável, perdurando por anos desde sua criação no ano de 1993, voltada ao controle da massa carcerária e também a realização de inúmeras infrações penais fora do sistema prisional. Contando com um sistema de recrutamento através de “batismo”, aqueles que desejam integrar a organização se tornam “irmãos” ou então, simpáticos à “causa”, se tornam “companheiros”. Ambas as modalidades acarretam em “vantagens” aos integrantes dentro da unidade prisional. Em troca, faccionados e companheiros devem se submeter ao estatuto e a toda a hierarquia e “cargos” acima dos dele. Uma vez integrante, a pessoa responsável pelo registro faz anotações com alguns dados de interesse da organização (nome, vulgo, alcunha, cidade de origem – Q.O, cidade atual – Q.A, última faculdade – cidade em que ficou preso por último, placa de identificação ou CDF e “cargo” que exerce). Essa identificação é conhecida como “cara crachá” e apenas membros, faccionados ou companheiros, são registrados. Como forma de fomentar e estimular as atividades da organização, os faccionados se utilizam do pagamento de mensalidades – “cebolas” ou “caixinhas” – bem como da venda de rifas e realização de jogos do bichos. Como no caso dos autos, parte do numerário arrecadado com a venda dos números é revertida tanto para os prêmios dados aos vencedores quanto para o próprio PCC, como forma de custear e impulsionar as diversas atividades ilícitas que garantem a continuidade da facção. É nesse contexto, portanto, que se deve proceder ao exame das provas que indicam a integração do réu em organização criminosa. Assim, torna-se inconteste sua integração à organização criminosa, primeiro porque é inverosímil que o acusado integrasse a organização criminosa PCC e coincidentemente à época da denúncia tivesse solicitado sua exclusão e segundo porque a existência de “cara crachá” com indicação do cargo que ocupava à época é prova bastante de que era faccionado, inclusive porque as testemunhas sigilosas confirmaram em juízo o teor dos relatórios produzidos. (...) aliás, a defesa não logrou produzir contraprova apta a descredibilizar o conteúdo dos dados extraídos dos aparelhos celulares apreendidos ou o depoimento da testemunha sigilosa que atuou na investigação - prova essa judicializada e que corrobora os relatórios extrajudiciais (...) em que pese a defesa tenha sustentado que a condenação restou embasada em argumentos genéricos, não é isso o que se verifica, tendo-se em conta os fatos notórios a respeito do Primeiro Comando da Capital - como sua hierarquia, divisão de tarefas, existência de regramento interno e disciplina, distinção entre cargos de especial relevância e pessoas que simpatizam com a organização e observam seus regramentos (companheiros), emprego de arma de fogo e transnacionalidade -, os quais dispensam a produção de provas; (...) da análise do cadastro do inculpado na referida organização criminosa, constata-se o status “Ativo”, além de apresentar informações contemporâneas do apelante, como por exemplo, sua idade [35 (trinta e cinco) anos em 2022[8]] e h) tendo-se em conta a enorme quantidade de membros do PCC e sua estrutura altamente hierarquizada, não se afigura incomum ou absurdo que o réu não conhecesse ou não tivesse qualquer vínculo com os proprietários dos celulares apreendidos (corréus Elton e Vanessa).” (fls. 4/7, mov. 27.1, Ap) Com efeito, a revisão das conclusões adotadas pelo Colegiado local, no aspecto, passaria, necessariamente, pela incursão no substrato fático-probatório dos autos, atraindo a Súmula 7 /STJ. A propósito: “(...) A instância a quo demonstrou fundamentadamente a autoria delitiva com base em distintos elementos investigativos, técnicos e pela prova oral produzida em juízo, evidenciando a estabilidade e permanência da associação criminosa. 7. A modificação do julgado para acolher a tese da defesa e absolver os agravantes exigiria revolvimento do conjunto fático- probatório, o que é incabível na via eleita, ante o óbice da Súmula 7 do STJ. (...).” (AREsp n. 2.124.718/RS, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 3/12/2024, DJEN de 17/12/2024.) Ademais, observa-se que não restou suficientemente refutado, nas razões de recurso, o fundamento em que se assenta o julgamento recorrido no sentido de que “a defesa não logrou produzir contraprova apta a descredibilizar o conteúdo dos dados extraídos dos aparelhos celulares apreendidos ou o depoimento da testemunha sigilosa que atuou na investigação - prova essa judicializada e que corrobora os relatórios extrajudiciais. (...) da análise do cadastro do inculpado na referida organização criminosa, constata-se o status “Ativo”, além de apresentar informações contemporâneas do apelante, como por exemplo, sua idade [35 (trinta e cinco) anos em 2022[8]] e h) tendo-se em conta a enorme quantidade de membros do PCC e sua estrutura altamente hierarquizada, não se afigura incomum ou absurdo que o réu não conhecesse ou não tivesse qualquer vínculo com os proprietários dos celulares apreendidos (corréus Elton e Vanessa).”” (fls. 6/7) Neste passo, impõe-se o não-conhecimento da pretensão recursal, a teor do entendimento disposto na Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal, aplicada por analogia aos recursos especiais, como se vê: “(...) O reexame do acórdão recorrido, em confronto com as razões do recurso especial, revela que os fundamentos apresentados naquele julgado, e que fundamentaram a construção da sólida ratio decidendi alcançada pelo Tribunal de origem, foram utilizados de forma suficiente para manter a decisão proferida no Tribunal a quo e não foram suficientemente rebatidos no recurso, fator capaz de atrair a aplicação dos óbices das Súmulas n. 283 e 284, ambas do STF. (...) Agravo interno improvido.” (AgInt no REsp n. 2.097.861/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 4/12/2024, DJe de 9/12/2024.) No mais, constou da decisão recorrida que “No que concerne à dosimetria da pena, entendo que devem ser mantidas as majorantes de emprego de arma de fogo e transnacionalidade reconhecidas em primeiro grau. Isso porque: a) além de ser notório o emprego de armas de fogo pelo PCC e sua transnacionalidade, tem-se que, no caso concreto, foi extraído do aparelho do corréu Elton dados acerca da negociação de uma arma de fogo pelo inculpado (Relatório técnico nº 026/2022 – Anexo 7 – mov. 1.9 e Relatório Técnico nº 028/2022 – mov. 1.20 – ambos dos autos de nº 0004730- 09.2022.8.16.0084), sendo que com o corréu Eliton foi apreendida uma arma de fogo (autos de nº 0002129-69.2022.8.16.0071); além disso, parte dos interlocutores, referentes às mensagens analisadas dentro dos grupos de WhatsApp da organização criminosa, eram identificados pela bandeira do país do faccionado[9] e b) nada obstante, afigura-se prescindível a apreensão de armas de fogo ou comprovação da sua utilização por todos os acusados, consoante entendimento jurisprudencial[10]. Assim, tendo sido devidamente observados o sistema trifásico e os princípios da individualização da pena, da fundamentação das decisões judiciais e da proporcionalidade, nenhuma alteração na pena fixada deve ser operada.” (fl. 7) Do que se depreende dos fundamentos para a majoração da pena em razão do emprego de arma de fogo e transnacionalidade, estão eles lastreados nos elementos fático-probatórios constantes dos autos. Claro está, portanto, que para se chegar a um entendimento diverso, seria necessário empreender novo e aprofundado exame de tais circunstâncias, mas tal providência é vedada na via do recurso especial, nos termos da já mencionada Súmula 7 do STJ. Tendo em vista a tese fixada no recurso repetitivo nº 1.656.322/SC (tema 984) do Superior Tribunal de Justiça, bem como os vetores norteadores da Resolução Conjunta nº 06/2024-PGE /SEFA, que estabelece o valor mínimo de R$ 700,00 (setecentos reais) e o máximo de R$ 900,00 (novecentos reais) para a apresentação de recursos excepcionais, é que se afigura justo e proporcional o arbitramento do estipêndio ao nobre procurador do recorrente (RAFAEL ZAPATA BELATO, OAB/PR 63.150), em R$ 700,00 (setecentos reais), devidos em face da interposição do presente recurso. III – Diante do exposto, inadmito o recurso especial, em razão da aplicação das Súmulas 7 do Superior Tribunal de Justiça e 283 do Supremo Tribunal Federal, esta última aplicada, por analogia, aos recursos especiais. Fixo os honorários advocatícios ao seu defensor dativo(RAFAEL ZAPATA BELATO, OAB/PR 63.150) no valor de R$ 700,00 (setecentos reais). Intimem-se. Curitiba, data da assinatura digital. Desembargador HAYTON LEE SWAIN FILHO 1º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná AR03
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